“Porque é que um sono agita
Em vez de repousar
O que em minha alma habita
E a faz não descansar?
Que externa sonolência,
Que absurda confusão,
Me oprime sem violência
Me faz ver sem visão?
Entre o que vivo e a vida,
Entre quem estou e sou,
Durmo numa descida,
Descida em que não vou.
E, num infiel regresso
Ao que já era bruma,
Sonolento me apresso
Para coisa nenhuma”
Fernando Pessoa
Da arte à Ciência, o sono sempre foi um tema que chamou a atenção de poetas, filósofos, artistas e a minha atenção desde jovem. E isso se deve, principalmente, ao fato de que o sono muitas vezes foi motivo de preocupação da humanidade, com explicações místicas e mágicas.
Há milhares de anos, o pai da Medicina, Hipócrates, já constatava que a falta ou o excesso de sono poderia sinalizar que algo não estava bem com a saúde das pessoas. Já no século XX, o poeta português Fernando Pessoa sofria com um sono agitado e perturbado que causava a ele muita sonolência e cansaço.
Já a minha estória no mundo do sono começou ainda nos primeiros anos de faculdade na USP, quando assistindo aulas na disciplina de neurofisiologia, fiquei fascinada pelos mecanismos de funcionamento do cérebro e pelos mecanismos de sono e alerta. Na época fazia Iniciação Científica em estudo sobre hormônio de crescimento e eu e minha querida amiga Roseli Svartman Isfer (hoje dermatologista renomada), resolvemos nos inscrever em um concurso no V Congresso Médico-Universitário da FMUSP. Esse estudo rendeu minha primeira publicação cientifica internacional (Journal of Clinical Endocrinology and Metabolism) e ainda acabamos ganhando o prêmio de melhor trabalho científico na área básica. E esse foi, sem dúvida, um dia de sorte, pois o presidente da banca julgadora e que me entregou o prêmio, era o ilustre Professor César Timo-Iaria, um dos pioneiros nos estudos do sono e das neurociências.
Além de me cumprimentar pelo prêmio, me convidou para estagiar em seu laboratório de pesquisa, Laboratório de Investigação Médica da FMUSP (LIM 45). E aí se iniciava um longo caminho de novos conhecimentos. Enfim, terminei minha formação em Medicina e Residência Médica junto ao Departamento de Neurologia da FMUSP, em um momento em que a Medicina do Sono ainda não era área de atuação.
Assim, ao longo das últimas décadas, pude acompanhar e participar de perto do desenvolvimento da Medicina do Sono no Brasil, área dedicada especialmente ao estudo e à pesquisa do sono e seus transtornos. Sem dúvida, a avaliação objetiva por meio da polissonografia foi um marco importante nesse segmento que trouxe dados novos e de grande aplicabilidade clínica.
Aproveito para agradecer todos os professores e mentores que tive ao longo da minha formação dentro e fora do país, além do saudoso e brilhante Prof. Cesar Timo-Iaria. Minha gratidão eterna pelos ensinamentos e apoio aos professores: Stella Tavares, Flavio Aloe, Ademir Batista, Aaron Diament, Egberto Barbosa, Umbertina Conti Reed, Fernando Kok, Carlos Schenck (EUA) e Mark Mahowald (EUA).
O conhecimento da Medicina do Sono sobre o funcionamento e os transtornos do sono vem evoluindo cada vez mais, contribuindo de forma significativa para a saúde e a qualidade de vida das pessoas. Hoje sabemos que diversos aspectos podem influenciar o sono, como fatores sociais, comportamentais e de ritmo circadiano. Ao mesmo tempo, precisamos dormir bem para melhorar a nossa saúde, desempenho e funções cognitivas. Dezenas de estudos mostram que a privação de sono e o sono fragmentado afetam a imunidade, nos deixando mais suscetíveis a infecções bacterianas e virais.
Além do repouso e do relaxamento muscular, vários processos ocorrem em nosso cérebro durante o sono, fundamentais para os mecanismos de atenção e memória. Durante o sono também ocorrem vários processos metabólicos fundamentais para o nosso organismo e a preservação do ritmo sono-vigília.
Dessa forma, é importante saber que um sono de qualidade é essencial em todas as fases da nossa vida, e particularmente na infância. Mas, você não precisa ser apaixonado pelo estudo do sono como eu… Vou deixar apenas uma simples reflexão, que resume o que aprendi ao longo dos meus estudos:
Cuide bem do seu sono e da sua saúde!
Um grande abraço,
Dra. Rosana Cardoso Alves
Dra. Rosana Cardoso Alves é médica neurologista e neuropediatra com formação em Neurofisiologia Clínica e Medicina do Sono. Desde 2001, trabalha no Grupo Fleury onde é coordenadora da Neurofisiologia Clinica, atuando em diferentes projetos de pesquisa e gestão.
A Dra. Rosana iniciou seus estudos em Medicina pela Universidade de São Paulo (USP), concluindo em 1988. Fez Residência Médica no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina (FMUSP), de 1989 a 1992. Realizou pós-graduação: Mestrado (1995) e Doutorado em Neurologia pela FMUSP (1999), sob orientação dos Professores Cesar Timo-Iaria e Aron Diament. Suas principais áreas de atuação são Neurofisiologia Clínica (Polissonografia) e Neurologia Infantil, com ênfase nos transtornos do sono.
Nos últimos 20 anos atuou na Diretoria e em Departamentos Científicos de várias sociedades médicas: Diretora Tesoureira da Associação Brasileira do Sono (ABS), secretária da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil, DC de Sono da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP) e Associação Paulista de Medicina (APM). Participou da organização de vários congressos e eventos médicos realizados pela ABS, APM e ABN, assim como eventos internacionais, da World Sleep Society (WSS) e International Pediatric Sleep Association (IPSA).
Já exerceu cargos de Professora Assistente no Departamento de Neurologia da FMUSP e orientadora do programa de Pós-graduação do Departamento de Neurologia da FMUSP e diretora da Associação Brasileira do Sono (ABS), hoje integrando o Conselho Fiscal da ABS. Possui 145 artigos e estudos científicos em publicações nacionais e internacionais. Também fez MBA em Finanças pela FGV (2016) e atualmente faz consultorias para empresas de saúde.
CREMESP: 61887 e RQE: 19445
– Página do LinkedIn: Rosana Cardoso Alves
– Estudos e publicações científicas:
– CV completo: Currículo Lattes