23 jan Melatonina e COVID-19
Por Prof. Dr. José Cipolla Neto*
Como se sabe, melatonina é um hormônio produzido pela glândula pineal, seguindo característica rítmicas circadianas específicas e próprias, agindo através de mecanismos mediados ou não por receptores celulares, expressando efeitos extremamente importantes na fisiologia do organismo, como a regulação da ritmicidade circadiana e, mais que isso, tendo uma influência importante na distribuição temporal de todas as funções ao longo do dia e da noite (sono e vigília, metabolismo associado à aquisição, armazenamento e gasto energético, regulação imunológica etc).
Além dessas características sistêmicas de regulação fisiológica, a melatonina apresenta efeitos mais específicos, como defesa antioxidante e ação anti-inflamatória. Em especial, por todas essas características, a melatonina é vista como um poderoso agente neuroprotetor e cardioprotetor.
Em relação ao tema em questão, há, ainda, evidências indiretas apontando para uma possível ação antiviral da melatonina intervindo na associação SARS-CoV-2/ACE2.
Por tudo isso, tem se sugerido que a melatonina poderia ser um agente terapêutico tanto na prevenção quanto no tratamento da COVID-19.
Há, na literatura muitas propostas de estudos clínicos, adequadamente desenhados, para estudar os efeitos da melatonina em pacientes com COVID-19. No entanto, até o momento, na literatura, temos somente um artigo em fase de preprint (isto é, não sujeito, ainda a revisão por pares), publicado na medRxiv (doi: https://doi.org/10.1101/2020.10.15.20213546).
Esse é um estudo retrospectivo, de análise de sobrevivência, que tenta determinar se a taxa de mortalidade pós-intubação estaria ou não associada ao tratamento com melatonina (iniciado pós-intubação).
Esse estudo foi feito no New York Presbyterian / Columbia University Irving Medical Center. Reproduzo, abaixo, o resumo dos resultados:
“Among the 189,987 patients, we identified 948 intubation periods across 791 patients who were diagnosed with COVID-19 or infected with SARS-CoV2 and 3,497 intubation periods across 2,981 patients who were not. Melatonin exposure after intubation was statistically associated with a positive outcome in COVID-19 (demographics and comorbidities adjusted HR: 0.131, 95% CI: 7.76E-02 – 0.223, p-value = 8.19E-14) and non-COVID-19 (demographics and comorbidities adjusted HR: 0.278, 95% CI: 0.142 – 0.542, p-value = 1.72E-04) intubated patients. Additionally, melatonin exposure after intubation was statically associated with a positive outcome in COVID-19 patients (demographics and comorbidities adjusted HR: 0.127, 95% CI: 6.01E-02 – 0.269, p-value = 7.15E-08)”.
Ou seja, parece que o tratamento com melatonina está associado a um desfecho positivo em qualquer paciente que necessite intubação, em particular, os pacientes de COVID-19. Além disso, são descritos no trabalho desfechos positivos associados a outros tratamentos, em especial os glicocorticóides. Deve ser assinalado, ainda, que não estão descritas no trabalho dose, formulação, via de administração e distribuição ao longo das 24 horas da melatonina.
No entanto, antes de conclusões eventualmente precipitadas quanto ao uso da melatonina, vale atentar para a observação feita pelos autores, reproduzida a seguir:
“While our analysis identified significant associations between melatonin exposure after intubation and survival, we have not identified the directionality nor the underlying mechanism nor can we rule out collider bias from our analysis”.
A questão que permanece, portanto, é se devemos ou não usar melatonina em pacientes com COVID-19 e, de antemão, essa resposta não é simples.
Em primeiro lugar, considerando que os pacientes de COVID-19 são, em geral, idosos que apresentam, naturalmente, uma queda na produção de melatonina, agravada pelo estado associado à doença, uma reposição terapêutica de melatonina, em pacientes com quadro leve ou moderado, cuidadosamente programada quanto a dose e horário (noturno) de administração, certamente ajudaria no restabelecimento do estado geral do paciente, principalmente pela reestruturação da ritmicidade circadiana e o reestabelecimento de um sono mais saudável (Endocrine Reviews, 39, 990–1028, 2018, https://academic.oup.com/edrv/article/39/6/990/5094958).
Quanto à possibilidade de seu uso indiscriminado intervencional em estados mais graves de pacientes com COVID-19 intubados, tendo em vista os dados científicos existentes na literatura médica e como discutido acima, NÃO deve ser proposto, neste momento.
A meu ver, esse uso da melatonina em pacientes com COVID-19, em estado grave, só seria aceitável em casos em que os protocolos existentes não se mostrarem eficazes a ponto de os pacientes apresentarem melhora substancial e, em consequência, apresentarem risco de vida.
Fora isso, seu uso só seria aceitável dentro de um estudo adequadamente desenhado e aprovado previamente pelos órgãos de ética médica. Em qualquer desses dois últimos casos, há na literatura propostas de procedimentos possíveis:
1 – Current Topics in Medicinal Chemistry, 2017, 17, 467-488
2 – J Pineal Res. 2020;69:e12683; https://lnkd.in/etsDTef
3 – Cellular and Molecular Neurobiology https://lnkd.in/eeiUCsD
4 – Melatonin Res. 2020, Vol 3 (3)276-296; doi: 10.32794/mr11250062
5 – Melatonin Res. 2020, Vol 3 (3) 311-317; doi: 10.32794/11250064
6 – Melatonin Res. 2020, Vol 3 (3) 297-310; doi: 10.32794/mr11250063
7 – Front. Med. 7:226. doi: 10.3389/fmed.2020.00226
8 – Respiratory Research (2020) 21:65 https://lnkd.in/endqaxf
9 – INTERNATIONAL REVIEWS OF IMMUNOLOGY; https://lnkd.in/epXwzGS
10 – Rev Med Virol. 2020;e2109; https://lnkd.in/e4U964M
11 – Melatonin Res. 2020, Vol 3 (1) 120-143; doi: 10.32794/mr11250052