Sono e Trabalho

Por Profa. Claudia Moreno*

O trabalho ocupa boa parte da vida. Se pensarmos em uma jornada diária de 8 horas de trabalho, sobram somente 16 horas para o cuidado pessoal e familiar, a alimentação, o sono e o lazer. A sociedade contemporânea sabe que para promover sua saúde deve praticar atividade física e, por isso, a inclui nas 16 horas restantes do dia. Para a maioria das pessoas as 24 horas de um dia são insuficientes para tudo o que precisamos (e queremos) fazer. É por isso que muitos consideram o sono uma perda de tempo. Por que eu deveria dormir se me resta tão pouco tempo do dia para o lazer, por exemplo? A resposta está em milhares de estudos sobre os efeitos negativos da restrição do sono, entre os quais, o agravo ou o desenvolvimento de inúmeras doenças. Há ainda uma percepção equivocada de que se pode dormir em qualquer horário sem que isso traga nenhum malefício para a saúde. A espécie humana é diurna e, como tal, dorme à noite e está ativa durante o dia. A inversão dos horários de dormir e acordar leva à restrição do sono e como consequência ao desenvolvimento de doenças.

Trabalhadores noturnos dormem menos e apresentam um sono menos revigorante durante o dia porque o organismo está preparado para a vigília durante o dia. Além disso, o sono de trabalhadores noturnos também é muitas vezes reduzido devido a necessidades familiares e outros compromissos sociais. Não é nenhuma surpresa que a maioria dos trabalhadores noturnos relate redução da qualidade subjetiva do sono e duração total de sono. O trabalho no turno da manhã também pode levar a um sono de curta duração, pois é difícil ir para a cama cedo devido a requisitos sociais (por exemplo, cuidados com crianças) e a impulsos biológicos, uma vez que nosso sistema temporal interno promove ao máximo o despertar durante o início da noite. Esse sistema regula as funções do organismo de forma sequencial e temporal, isto é, o hormônio cortisol é liberado de manhã cedo, os hormônios do apetite são regulados para não sentirmos fome à noite, assim como o sono deve ser noturno e a vigília diurna. As funções do organismo seguem um ritmo periódico sendo chamadas de ritmos circadianos e são controladas por meio de osciladores do organismo, desde neurônios a outras células em órgãos periféricos.

O denominado sistema temporal circadiano segue, portanto, uma ordem temporal interna, de modo a orquestrar todo o funcionamento do organismo de forma sincronizada com o meio externo. As informações temporais do meio externo chegam aos osciladores pela entrada de luz nas células da retina, as quais são periódicas e recorrentes com a alternância do dia e da noite, ou seja, do claro e do escuro. Ao longo da evolução, os organismos vivos se adaptaram à alternância da exposição a este ciclo de claro e escuro, de forma a desenvolverem um mecanismo temporal interno sincronizado. O aumento do tempo de exposição à luz durante a noite simula um dia mais longo ao organismo, atrasando o início do sono e o funcionamento adequado de seus sistemas. Na sociedade atual a luz artificial exerce esse efeito e quanto mais tempo ficarmos expostos à luz durante a noite, mais tarde vamos dormir. A exposição à luz artificial durante toda a noite atrasa o sono para o dia em uma tentativa de inversão entre o dia e a noite. A plasticidade do organismo permite que uma pessoa mude para um país em que há uma inversão de 12 horas, por exemplo, do Brasil para o Japão. Em cerca de 20 dias, a pessoa estará adaptada ao ciclo local de claro e escuro, porém, o trabalhador noturno tem que inverter seus ritmos toda a vez que trabalha à noite. Um esquema de trabalho de 12 horas com 36 horas de folga, como o observado em muitos profissionais de saúde, significa ir para o Japão em um dia e retornar no outro. Não há tempo suficiente para a inversão dos ritmos do organismo e a saudável sincronização com o meio externo. Assim, trabalhadores noturnos apresentam curta duração do sono, sono perturbado e sintomas de insônia, os quais são fatores associados a um maior risco de problemas de saúde e doenças em trabalhadores noturnos.

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*Profa. Claudia Moreno é livre-docente em Saúde Pública e Professora Associada do Departamento de Saúde, Ciclos de Vida e Sociedade da Faculdade de Saúde Pública – USP.
Artigo enviado gentilmente pela especialista ao site Sono e Medicina.